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Pan tumaca catalão ou torradinha de tomate triturado

Vocês estão familiarizados com o conceito de bruschetta, certo? Aquela torradinha italiana coberta de tomates frescos picados bem regados de azeite. Pois recentemente descobri que a Catalunha, região espanhola onde fica a cidade de Barcelona, tem uma versão particular desse quitute onde os tomates não são picados, mas sim ralados e usados quase como uma manteiga. Aparentemente, toda bodega que se preze oferece no cardápio de tapas esse preparo muito simples, mas de valor cultural identitário para os catalães.

Eu acho até engraçado indagar sobre quem, na história da humanidade, foi o primeiro ser a achar que tomate numa massa de trigo ia dar bom… A mim, parece quase errado reivindicar a autoria do primeiro sanduíche com o que tinha na geladeira. Mas na Espanha há um debate quanto às inexatas origens do pan tumaca. A versão mais difundida fala de uma torrada 100% catalã, sem relação com qualquer traço de Espanha – narrativa defendida por uma população que considera que a província de Barcelona é um país à parte. Uma segunda versão atribui a autoria do prato aos trabalhadores da região espanhola de Murcia no século XX. Conta-se que o único alimento de que dispunham era o pão velho e para que se tornasse mais palatável esfregava-se o tomate fresco. Assim, a massa dura recebia alguma umidade superficial e tinha seu gosto melhorado.

O pa amb tomàquet (literalmente pão com tomate) seria na região mediterrânea uma evolução do pão com azeite de oliva que era consumido na Grécia Antiga (de novo, sanduíche com o que tinha na geladeira). Foi apenas após a invasão colonialista das Américas que o fruto tomate chegou ao solo europeu e melhorou consideravelmente o jeito de comer pão por aqui. Justamente, uma referência de 1884 explica que esfregar o tomate maduro no pão dormido servia para molhá-lo ligeiramente, amolecê-lo e dar sabor. Os ingredientes do bocadillo são os mesmos da brusqueta italiana, mas aqui aparecem com uma simbologia representativa de um povo. Segundo o romancista e gastrônomo espanhol Manuel Vázquez Montalbán, “o pan tumaca é a materialização do encontro entre a cultura europeia do trigo e aquela do tomate americano, mais o azeite de oliva mediterrâneo e o sal da terra que consagrou a cultura cristã.” (El premio, 1996).

De acordo com esta referência bastante expressiva, “para os catalães, esta torrada é um sinal identitário equivalente à própria língua ou ao leite materno, ao passo que, para os imigrantes catalanizados, ditos charnegos, o pão com tomate é como uma ambrosia que lhes permite a integração”. Acho que o pão com tomate é para o catalão o que o aipim na manteiga e o cuscuz com leite de coco são para mim: retrato de casa e de pertencimento.

Pra quem não é muito fã de pizza marguerita, saiba que sobre essa base de pão e polpa de tomate cabe toda sorte de incremento. Por aqui, onde a torrada se degusta como tapas no happy hour ou sanduíche no café da manhã, os toppings mais frequentes são presunto serrano, chouriço espanhol, atum ralado, azeitonas e alcaparras. Com a imaginação brasuca que faz pizza até de coxinha e de churrasco, criatividade para uma torrada salgada não vai faltar. Eu não sou catalã e para mim, portanto, o pan tumaca não é uma iguaria condutora a uma experiência transcendente. Porém, reconheço que tomate é puro umami e esse molho (sobretudo com alho) pode deixar qualquer sanduíche mais rico. O que é inegociável para que todo o sabor do molho apareça é primar por ingredientes de qualidade: tomate orgânico bem madurinho, azeite extra virgem, alho novo para uma digestão mais fácil e um pão bem feito.

Pan tumaca catalão

  • fatias de pão de fermentação natural
  • 1 dente de alho (opcional para os catalães, mas imprescindível para mim)
  • tomates maduros
  • azeite de oliva extra virgem
  • sal
  • complementos: jamon serrano, atum em lata, cheiro verde, pimentas, azeitonas, ovos, etc.

Primeiro, toste as fatias de pão numa torradeira ou leve-as ao forno. Enquanto isso, corte os tomates ao meio e esfregue a carne dos frutos em um ralador. Escolha a parte mais grossa do ralo para que a pasta fique com pedaços de tomate triturado. A textura que buscamos não é de molho de tomate homogêneo, mas sim pedaçudo.

Rale todo o tomate até que reste apenas sua pele (a do tomate, não a dos seus dedos!). O objetivo é recuperar toda a polpa, incluindo as sementes.

Idealmente, deixe os tomates triturados escorrendo brevemente em uma peneira para obter uma textura mais concentrada. Reserve esse líquido para outras preparações. Na gastronomia francesa, inclusive, ele foi gourmetizado e recebeu o título de “água de tomate” que vem sublimar algumas preparações.

Tempere apenas com sal para ser fiel à receita catalã ou junte aí uma pitada de pimenta do reino ou molho tabasco, já que pimenta é vida. Misture uma boa quantidade de azeite de oliva de boa qualidade, pois ele é o verdadeiro tempero desse “tapa”. O que acho interessante é usar azeites aromatizados com manjericão, alecrim ou alho, por exemplo.

Pão saído do forno, agora é só esfregar-lhe um alho cru para aromatizar e besuntar generosamente a torrada com a pasta de tomate e azeite.

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