versão em português
Na Feira Agroecológica de Porto Alegre tem essa barraquinha que gosto muito, onde sempre encontro uma senhora simpática que me vende pancs fresquinhas que adoro colocar na panela. Só não gosto é dessa nomenclatura porque o « não convencional » depende muito dos olhos de quem vê. Afinal, vai dizer que no Pará não é convencional comer jambu, que não se acha nas prateleiras de supermercado de lá? Ou que no sertão nordestino não é convencional comprar palma picadinha na feira pra preparar aquele cortadinho com carne moída? Ou, ainda, que a ora-pro-nobis não faz parte da cultura culinária mineira? Pois é, esse termo « convencional » pressupõe uma unidade culinária padronizada impossível. Em cada região há uma fauna, uma flora, um bioma próprio e uma relação com o que se come, com o olhar para cada alimento e, portanto, uma interpretação distinta do que « convém » ou não comer. Por isso essa sigla me incomoda, porque parece ditada pelo mercado e desconsidera hábitos locais e saberes de povos que as tratam e consomem há tempos. A expressão em francês para designar essas plantas « diferentonas » e fora da caixa é simplesmente « plantes sauvages » ou plantas selvagens, fazendo pensar naquelas que dão no mato, que brotam sozinhas existindo e resistindo entre calçadas, terrenos e quintais. Prefiro pensar nas pancs assim, já que elas a muitos convêm e de não convencionais no prato não têm nada. ^^
Desabafado isto, passemos a uma doçura de receita, minha primeira experiência com o jambu na sobremesa. Sou fã da cachaça, que já experimentei compondo um drink com cítricos sensacional (Santíssimo Beco), bem como na minha criação especial para o São João esse ano, o Jambarindo (cachaça de jambu + licor de tamarindo). Hoje foi dia de mais uma experiência com essa planta (que deliciosamente está brotando em minha horta de apartamento) e lhes apresento o JAMBRULÉE, um creme de folhas e talos de jambu com uma crostinha de caramelo por cima e salpicado com flores de jambu despetaladas para dar aquele tremorzinho que você respeita.
Ingredientes
- 100 ml de leite integral
- 100 ml de nata 49% ou creme de leite fresco 35%
- 50 g de jambu (folhas e talos)
- 1/2 cumaru ralado
- 2 gemas
- 30 g de açúcar refinado
- 4 colheres (chá) de açúcar mascavo
- 4 flores de jambu despetadadas
- 4 flores de jambu inteiras
Preparo
Há duas formas de aromatizar o leite para esse creme: infusão a quente ou a frio.
Quente: Leve ao fogo o leite com a nata até quase ferver (95 graus no máximo!). É importante não aquecer demais para não talhar, separando-se a gordura. Acrescente os talos de jambu picados e as folhas da planta para infusionar por uns 15 minutos.
Frio: Na véspera, rasgue as folhas de jambu e pique os talos. Cubra-os com a mistura de leite e nata e deixe na geladeira por 12 horas. É o método que prefiro porque fica mais perfumado (ervas aromáticas, fava de baunilha…) ou, no caso específico do jambu, sente-se mais o tremorzinho típico. ^^
Quanto às gemas que servirão para engrossar nosso creme, prepare-as enquanto o leite amorna (se optou pela infusão a quente) ou na manhã seguinte (se optou pela infusão a frio). Com um batedor de claras manual (vulgo, fouet) misture as gemas com o açúcar refinado até que este se dissolva por completo e fique com uma aparência levemente esbranquiçada. Junte também o cumaru ralado (ou troque por amburana, a prima nordestina).
Aliás, fica aqui a dica do dia: quando adicionar açúcar a ovos, não se esqueça de misturá-los, pois se esquecê-los ali o açúcar irá cozinhar a superfície de contato com o ovo.
Bata o leite infusionado com as folhas e talos. Coe com uma peneira e despreze os sólidos. Você pode desprezá-los sem triturar, após o tempo de infusão, mas eu queria meu creme verdinho e assim pude extrair mais clorofila do jambu. Fica lindo!
Próximo passo, misture o creme de gemas ao leite infusionado e distribua em quatro ramequins individuais para porções educadas ou em dois potinhos para colheradas mais profundas. Ou não se envergonhe, enfie o pé na jaca e faça um potão único! Quem nunca!
Em banho-maria (que ajuda a distribuir uniformemente o calor), leve ao forno pré-aquecido entre 120 e 140 graus por 45 a 50 minutos. Quando você balançar a assadeira, o centro dos cremes deve tremer um pouco mas sem estar líquido. Estamos buscando aqui aquela textura de pudim sem furinhos que você conhece, então nada de aumentar a temperatura do forno, o creme não pode ferver.
Deixe esfriar em temperatura ambiente antes de levar à geladeira. Gelado é mais gostosinho. Na hora de servir, distribua uma camada fina de açúcar mascavo (ou açúcar cristal) sobre os potes e caramelize com um maçarico de cozinha. O meu não ficou uniforme, mas capriche aí: peneire o mascavo (deveria ter feito isso!) e distribua regularmente. Você também pode usar o grill do forno para a caramelização e caso queira comer um creme quentinho. Depois de criar a crostinha crocante de açúcar, despetale uma flor de jambu em cada pote. Dá pra picar na faca ou desfazer a florzinha amassando com os dedos. Disponha uma flor inteira no centro e sirva imediatamente.